ZETETIKÉ – Cempem – FE – Unicamp – v. 17, n. 31 – jan/jun – 2009
Um estudo sobre o desempenho e as dificuldades apresentadas por alunos do
ensino médio na identificação de atributos definidores de polígono
ZETETIKÉ – Cempem – FE – Unicamp – v. 17, n. 31 – jan/jun – 2009
Marcelo Carlos de Proença*
Nelson Antonio Pirola**
Este artigo corresponde a parte do trabalho de mestrado (2006-2008), desenvolvido por
Marcelo Carlos de Proença, com auxílio financeiro parcial da Capes, sob orientação do
professor Nelson Antonio Pirola.
* Licenciado em Matemática e, atualmente, doutorando em Ensino de Ciências e
Matemática, ambos pela Universidade Estadual Paulista — Unesp —, campus Bauru.
** Professor Assistente Doutor do Departamento de Educação e professor do Programa de
Pós-Graduação em Educação para a Ciência, ambos da Unesp, campus Bauru.Disponível na integra em:
http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/zetetike/article/viewFile/2619/2361http://www.fae.unicamp.br/zetetike/viewissue.php?id=41A
lgumas considerações sobre o conceito de polígono De acordo com Carvalho (1994), o processo de desenvolvimento
conceitual pelo aluno dá-se ao longo de toda a escolarização. No entanto,
pesquisas como a de Proença (2008) mostraram que alunos na última
etapa da educação básica, Ensino Médio, parecem não dominar
conceitos geométricos, como os relacionados a polígonos.
Esse resultado pode ser proveniente do tipo de ensino que
recebem, muitas vezes baseado em definições prontas e acabadas,
seguidas de “exercícios de fixação”. Como sugerido pela Proposta
Curricular para o ensino de Matemática do Ensino Médio (SÃO PAULO,
1992), a definição de um conceito matemático é o ponto de chegada, e
não o ponto de partida para o seu processo de ensino-aprendizagem.
Nesse sentido, cabe ao professor, quando ensinar geometria,
além de investigar o que os alunos sabem sobre um conceito, ter
domínio sobre os atributos definidores desse conceito, ou seja, conhecer
a matéria que ensina (MIZUKAMI, 2006). Assim, quando planejar uma
abordagem conceitual, ele deve dispor do conhecimento sobre uma
definição e explorar os “atributos definidores” principais para o ensino
(KLAUSMEIER; GOODWIN, 1977).
No caso dos polígonos, a definição é própria do conhecimento
geométrico e cabe ao professor conhecê-la para poder verificar quais
atributos seriam importantes para defini-lo. “[...] o conceito geométrico é
ligado a uma definição matemática e por essa razão possui atributos
relevantes. Tais atributos devem ser reconhecidos para se identificar o
conceito em qualquer contexto que ele esteja inserido.”
(FAINGUELERNT, 1999, p. 60).
Isso significa que um conceito geométrico sempre apresentará
características de sua definição. E acredita-se que o seu
desenvolvimento estará subordinado à linguagem do aluno, e não a uma
imposição de termos rigorosos. “[...] definir é necessário, mas é muito
menos que conceituar, porque o texto formal de uma definição só pode
apresentar alguns traços exteriores ao conceito.” (PAIS, 2002, p. 56).
No entanto, podem-se encontrar definições diferentes, em alguns
aspectos, sobre determinados conceitos. Proença (2008) constatou que
autores que escreveram sobre geometria plana apresentavam uma
variação na definição de polígono. Nesse caso, o cruzamento entre dois
lados não consecutivos (figuras entrelaçadas) foi a característica
considerada por um, e não por outro autor. [ Veja ] essas diferenças.
Dolce e Pompeo (1993, p. 80)
Dada uma seqüência de pontos de um plano (A1, A2,..., An)
com n≥3, todos distintos, onde três pontos consecutivos não
são colineares, considerando-se consecutivos An-1, An e A1,
assim como An, A1 e A2, chama-se polígono à reunião dos
segmentos A1A2, A2A3, ...,An-1An, AnA1.
Exemplo considerado: figura estrelada ou entrelaçada
Barbosa (1985, p. 38)
Uma poligonal é uma figura formada por uma seqüência de
pontos A1, A2,..., An e pelos segmentos A1A2, A2A3,..., An-1An. Os
pontos são os vértices da poligonal e os segmentos são seus
lados. Uma poligonal pode ser aberta ou fechada.
Um polígono é uma poligonal em que as seguintes condições
são satisfeitas:
a) An = A1
b) Os lados da poligonal somente se interceptam em suas
extremidades.
c) Cada vértice é extremidade de dois lados.
d) Dois lados com mesma extremidade não pertencem a uma mesma reta.
Como se pode observar, Dolce e Pompeo (1993) apresentam uma
definição de polígono, da qual a figura estrelada é um exemplo. Em
contrapartida, após definir linha poligonal, Barbosa (1985) explicita
quando uma poligonal é um polígono, ao apresentar as condições que
devem ser satisfeitas. Desse modo, a condição de que “os lados da
poligonal, ou seja, do polígono, somente se interceptam em suas
extremidades” indica que a figura estrelada ou entrelaçada não é um
exemplo dessa classe.
Essa variação que aparece nas definições desses autores parece
indicar que isso pode depender da interpretação de cada um. No estudo
desenvolvido por Melão (2003), cujo objetivo foi formular com seus
alunos de sétima série uma definição de polígono, mostrou-se que os
autores de livros didáticos, alguns renomados na área de matemática,
apresentavam definições que permitiam interpretações diferentes.
Melão (2003) chama a atenção dos alunos para observarem as
semelhanças e as diferenças entre as definições:
Vocês repararam que cada autor usou uma definição
diferente e que de algum modo elas têm diferenças,
mas têm também coisas em comum? Algumas são
amplas e dão margem para fazermos interpretações
mais livres e incluirmos nossas figuras. Outras são
mais restritas e nos concedem menos liberdade (p. 18).
Além da análise da definição de polígono desses autores, Proença
(2008) também analisou os livros didáticos que os alunos do Ensino
Médio, participantes da pesquisa, haviam utilizado no Ensino
Fundamental dessa escola e a forma como seus autores tratavam da
definição de polígono.
Iezzi, Dolce e Machado (2000), em um livro da quinta série,
apresentam, primeiro, a definição de poligonal como “a figura formada
pelos pontos de um número finito de segmentos sucessivamente
consecutivos, com quaisquer dois segmentos vizinhos não colineares.”
(p. 228). Posteriormente, definem que uma poligonal simples “é quando
a intersecção de dois quaisquer lados não consecutivos é vazia. Caso
contrário, ela é não simples [entrelaçada].” (p. 228). Desse modo, define-
se polígono como “uma poligonal em que as extremidades coincidem.” (p.
230). Nesse caso, polígono é tanto uma figura simples como uma figura
não simples (entrelaçada).
No estudo piloto que foi realizado para testar os instrumentos de
coleta de dados, verificou-se que Giovanni e Giovanni Jr. (2002), nos
livros de quinta e sétima séries, apresentavam a mesma definição de
polígono: “a reunião de uma linha fechada simples, formada apenas por
segmentos de reta, com sua região interna.” (2002, 5ª série, p. 207; 7ª
série, p. 94).
Nessa definição, pode-se verificar que eles consideravam que a
figura estrelada não era um exemplo de polígono, ao referir-se a uma
“linha fechada simples”. Tal fato está de acordo com a idéia de Barbosa
(1985).
Além dessa observação, pode-se verificar que a definição
apresentada por Giovanni e Giovanni Jr. (2002), no geral, difere dos
autores já citados. Eles consideraram o polígono “com sua região
interna”. Isso leva a entender que esse conceito corresponde à fronteira
da figura mais a área delimitada por ela, situação que é evidente, pois
todos os polígonos presentes em seus livros analisados aparecem com
suas regiões internas pintadas de alguma cor. Essa situação pode gerar
dificuldades na aprendizagem dos alunos, pois estes podem acabar
considerando, por exemplo, um quadrado como constituído da região
interna.
Para Dolce e Pompeo (1993) e Barbosa (1985), polígono é apenas
a fronteira, sendo errado, de acordo com a definição desses autores,
calcular, por exemplo, a área de um quadrado. Nesse caso, Barbosa
afirma que é necessário estabelecer uma convenção, esclarecendo aos
alunos que “nós iremos tomar a liberdade de usar expressões do tipo a
área de um quadrado quando queremos dizer realmente ‘a área da
região poligonal cuja fronteira é um quadrado’” (BARBOSA, 1985, p.
176, grifo nosso).
Em sua pesquisa, Melão (2003), ao explicar ao seu aluno por que
não há uma definição única e universal, em contraposição às palavras
desse aluno: “como é que é de verdade”, concluiu: “Nós fomos aos livros
didáticos e vimos que há várias divergências entre os autores e que as
definições nos permitem interpretações diferentes, incluindo ou
excluindo nossas figuras”.(p. 19).
Nesse sentido, a formação do professor é importante, pois é ele
quem deve garantir uma aprendizagem com qualidade aos alunos. Na
escola, deve haver um trabalho conjunto dos professores do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio, no sentido de que os conceitos sejam
trabalhados corretamente e de modo a dar prosseguimento à
aprendizagem dos conteúdos.
Assim, de acordo com o que foi apresentado, os conceitos podem
assumir variações em algum aspecto, segundo a definição que for
adotada pelo professor de matemática. Como foi observado, existem
entendimentos distintos sobre o que seja um polígono, gerando, assim,
definições diferentes. O professor, porém, deve saber que essas variações
existem e que ele, por sua vez, tem que dar a devida orientação a seus
alunos para garantir uma aprendizagem com significados.
Neste trabalho, para computar a quantidade de acertos dos
participantes no teste que foi aplicado, utilizar-se-á a definição de
Barbosa (1985), pois ela considera que um polígono é uma figura
simples, ou seja, não há intersecção entre dois lados não consecutivos.
Aprendizagem e desenvolvimento de conceitos
Para Klausmeier e Goodwin (1977), um conceito é uma
“informação ordenada sobre as propriedades de uma ou mais coisas –
objetos, eventos ou processos – que torna qualquer coisa ou classe de
coisas capaz de ser diferenciada de ou relacionada com outras coisas ou
classes de coisas”.(1977, p. 312).
Para os autores, a palavra “conceito” é usada para designar tanto
os “construtos mentais” de indivíduos como também as “entidades
públicas” identificáveis que compreendam parte do conteúdo das várias
disciplinas. Os conceitos, como construtos mentais, formam-se de
acordo com as experiências de aprendizagem e os padrões
maturacionais únicos de cada indivíduo. Conceitos como “entidades
públicas” são definidos como informações organizadas que
correspondem aos significados de palavras contidos em dicionários,
enciclopédias e outros livros.
Segundo Klausmeier e Goodwin (1977), qualquer conceito pode
apresentar, em graus variados, oito características que seriam
importantes para o processo de ensino e de aprendizagem na escola
básica. Eles seriam:
1. Aprendibilidade: alguns conceitos são aprendidos pelos
indivíduos mais facilmente, por apresentarem exemplos
perceptíveis (por exemplo, “árvore”) do que outros (por exemplo,
“átomo” e “eternidade”).
2. Utilidade: a utilidade dos conceitos varia no sentido de
que alguns podem ser mais usados do que outros para
compreender e formar princípios, sendo que essa variação também
ocorre para resolver problemas.
3. Validade: os conceitos tornam-se válidos na medida em
que avançam os estudos sobre ele e também quando se tornam
mais próximos da definição aceita pelos especialistas.
4. Generalidade: grande parte dos conceitos está disposta
hierarquicamente e, quanto mais elevado for o lugar do conceito,
mais geral ele será em relação aos conceitos subordinados a ele.
5. Importância: um conceito pode facilitar ou ser essencial
para formar outros conceitos. Por exemplo, o conceito de
perpendicularidade é importante para que o aluno identifique e
compreenda o conceito de triângulo retângulo.
6. Estrutura: qualquer conceito, como entidade pública,
apresenta uma estrutura caracterizada pela relação com seus
atributos definidores. Essa estrutura é denominada “regra
conceitual” (afirmativa, conjuntiva, disjuntiva inclusiva,
condicional ou bicondicional), que está presente em quase todos os
conceitos escolares. Por exemplo, a afirmação “todos os triângulos
apresentam três segmentos de retas” apresenta uma relação do
conceito de triângulo com seu atributo definidor. Essa é uma regra
conceitual do tipo afirmativa.
7. Perceptibilidade de exemplos: a percepção de exemplos de
um conceito, às vezes, não é possível através dos órgãos dos
sentidos. Por exemplo, na Matemática, para o conceito de infinito,
não há exemplo observável.
8. Numerosidade de exemplos: os exemplos dos conceitos
variam em quantidade: de um único exemplo, por exemplo, a Lua
da Terra, até infinitos, como é o caso dos números naturais.